quinta-feira, agosto 03, 2006

O Pingente 5.5




Os chinelos finos de couro trançado afundam naquela neve espessa. As meias, já molhadas, não servem mais para aquecer os pés daquele velho. Apesar da idade, os passos são decididos e firmes e as pegadas na neve têm o ritmo de um bailarino.


"A neve à distância aparenta limpeza. Até a neve engana."
Pensa o senhor sob o chapeu de gravetos enquanto balança os pés para tirar a neve.

Olhos estreitos e cansados erguem-se de soslaio rapidamente para um vulto. O corpo sobre somente um dos pés continua o ritual de tirar a neve do outro pé e descer sistematicamente ao solo indiferente à nova movimentação captada pelos olhos. O coração nem se quer palpita mais rápido. Tudo parece como antes, inclusive o olhar, que já voltou ao pé agora enterrado na neve.

- "Ttttshii".

O velho emite um chiado enquanto fecha os olhos e faz cara de desaprovação e falta de paciência.

- Nem um surdo deixaria de ouvir os flocos de neve arrebentando contra seu corpo. Anuncie-se logo e não me faça ficar parado.

Uma voz que ecoa de todos os lados sem elucidar sua localização grita:

- Oyabin não quero feri-lo, só quero o que realmente importa. Quero o pingente.

- Você não veio me ferir lacaio, veio morrer.

A árvore seca pelo frio prolongado da estação balança além do vento. A figura ainda sem forma definida se lança de cima de um dos galhos secos de encontro ao velho. O vulto desce na velocidade de um relâmpago, silencioso como uma nuvem. O velho, mesmo com todas as rugas informando que não teria mobilidade, curva-se para trás melhor que muitos jovens e com um balanço do braço direito faz o vulto cair deitado de costas bem entre suas pernas. A espada goteja um sangue forte na neve que derrete e acolhe cada gota quente. O vulto, ainda desarmado, está às portas da morte. É uma criança com menos de 12 anos.

- Oyabin-Sama. O senhor me perdoa por ter-lhe atacado?

- HienLo...

A ponta fina da espada apoia-se no solo sob a neve. O velho não se curva, sabe que, se parar para lamentar os seus, reforços chegarão. Ele ergue a espada enquanto a esfrega nas calças pretas e molhadas, tirando o sangue de sua discípula da lâmina antes de embainha-la e voltar a caminhar.

E lá vai ele, bailando, enquanto repete meticolosamente os movimentos de andar e tirar a neve dos pés.

continua...

2 comentários:

Anônimo disse...

Vixe,
parece um trecho daquele filme "Verão, outono, inverno, primavera". Mas acabei pensando na sapa comendo linguiça no seu quintal e espantada com a cena Kill Bill. E você olhando pro céu, ajoalhado, segurando a sua espada ninja, samurai, shogun...
Putz, a lágrima é de uma viagem devastadora.

Anônimo disse...

ai, Boom...
Isso ta parecendo aquels desenhos loucos que vc vê!!!!
Todos de olhos grandes da terra dos olhos pequenos!!!!
rsrsrsrsrs
bjs
TE AMO!